Chegou o Verão e Piotr viu, na cozinha, o jornal que Alfred deixara, com uma fotografia de Hitler em Paris. Piotr escreveu no jornal, em polaco, com o lápis da cozinha: “quem não respeita a dignidade dos outros não respeita a sua”. Aconteceu-lhe! Sabia que era um gesto absurdo, demasiado perigoso, inútil, mas não foi procurar uma borracha para apagar o que escrevera. Deixou-o, assim, em cima da mesa da cozinha.
E, quando Alfred, que só falava com ele para lhe dar ordens, lhe pediu que traduzisse, Piotr, que sabia alemão para isso, disse: “quem não respeita a dignidade dos outros não respeita a sua”.
Alfred tinha 50 anos, era lavrador; tinha o filho na guerra e o filho fazia-lhe falta. Abstraindo da parte sentimental, era-lhe difícil arranjar um substituto para o trabalho que o filho fazia, um que aceitasse trabalhar só pela comida e fosse bem mandado, como era o filho, antes da guerra. Mas Alfred era patriota, ouvia o Fuehrer na rádio e trazia o cartão de membro do partido na carteira. Não reclamava. Falara, porém, no partido, da falta de mão-de-obra e tinham-lhe mandado Piotr.
Piotr tinha 20 anos, era filho de um lavrador e tinha sido apanhado na aldeia e transportado para ali. Chegara esfomeado e aterrorizado mas, quando lhe tinham dado uma malga de sopa, sorrira; tinha um sorriso bonito. Alfred, porém, não sorrira; lembrara-se das recomendações do partido para ter todo o cuidado em manter a dignidade da raça superior nas relações com o eslavo (houvera quem sentasse um escravo à mesa e isso fora muito criticado); assim, Alfred, que dantes comia na cozinha com a mulher, transformara o quarto do filho em sala de jantar e arranjara um lugar para Piotr no estábulo, que lhe pareceu mais quente que o celeiro.
Alfred não disse nada. Como interpretar aquilo? O rapaz compreendia que respeitava a sua dignidade respeitando a do seu senhor? Mas que dignidade poderia ter um eslavo? A palavra "dignidade" existia em polaco? Alfred afeiçoara-se ao rapaz, ele sabia da poda, havia uma cumplicidade silenciosa entre lavradores (Piotr gostava de trabalhar, o trabalho distraía-o das toneladas de memórias e preocupações pelos seus que carregava às costas; era saudável e davam-lhe de comer, não estava na guerra, como o pobre do filho do Alfred, cuja sorte era bem pior)...
E se ele não compreendesse que era de uma raça inferior? Na verdade até a Alfred lhe custava compreender, compreendia que os judeus eram uma raça inferior, desprezível, como os homossexuais ou os ciganos, mas aquele rapaz loiro e de olhos azuis… bem, os cientistas alemães tinham decretado que os eslavos eram uma raça de escravos, quem era ele para duvidar disso?
Deitou fora o jornal, não fora alguém lembrar-se de castigar o rapaz, que lhe fazia falta, e reforçou a sua pose de senhor: virava as costas quando o eslavo lhe dirigia a palavra, tornou-se ainda mais distante, senhoril: estava em jogo a dignidade da raça ariana! “Só os fortes sobrevivem!”, nada de mostrar respeito pelos inferiores, tolerância, no máximo.
Piotr esqueceu-se do caso, trabalhava, comia, dormia e tinha esperança que os polacos americanos convencessem o Roosevelt a entrar na guerra.
Mas Alfred decidira educar o rapaz: explicava-lhe a sorte que a Polónia tinha em ser governada por alemães, uma raça superior física e intelectualmente, os senhores naturais do mundo e sugeria que, se ele compreendesse bem isso e tivesse qualidades de lutador, um dia, como ele tinha amigos no partido, Piotr poderia fazer um exame de raça e talvez passasse por ariano. Piotr enfurecia-se calado, na sua pose de eslavo respeitador, não queria problemas, trabalho sem comida.
Mas tantas vezes vai o cântaro à fonte até que parte: Alfred atribuía os problemas do mundo aos judeus quando Piotr disse: “tenho bons amigos judeus, na minha terra, nunca nos trataram com a falta de respeito com que os alemães nos tratam”. “Mas tu és alemão”, disse Alfred. “Sou polaco, graças a Deus”, disse Piotr.
“Mas nós respeitamos os povos inferiores que colaborarem connosco”.
”Não há povos inferiores, se houvesse seriam os que não respeitam os outros”.
“Respeitamos quem merece respeito”.
“Só se pode conversar com respeito mútuo”, disse Piotr.
“Mas eu até converso contigo, que és um eslavo!”
“Não conversa”, disse Piotr, “para conversar é preciso admitir a hipótese de que, da conversa, se saia a pensar de uma forma mais esclarecida— e o Alfred admite que um eslavo o esclareça? — apenas admite que eu possa ser esclarecido, embora de uma raça de fracos, desprovidos de pensamento abstracto, não é uma conversa!”.
Alfred deu meia volta, virou-lhe as costas, penitenciando-se da sua fraqueza, da vergonha de não ter sabido intimidar aquele eslavo com a força natural da sua raça: aquele rapaz era tão inferior intelectualmente que nem sabia reconhecer um superior quando o via!
Meia dúzia de anos depois Alfred ouvia na rádio a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada nas Nações Unidas. Piotr ouvia-a na sua aldeia. Pode ser que não tivesse sido preciso bombardear Dresden para vencer a guerra— mas tinha sido preciso vencê-la! Ambos, ouvindo a palavra “dignidade”, lembraram-se do jornal escrito a lápis e pensaram que a Dignidade bem podia ser uma matriz para construir a Europa da Paz.
The ‘Tetrahedron’, Barbury Castle, Wiltshire, 17 July 1991.
O falso e o verdadeiro convivem em paradoxo ou é tudo falso?
O mistério é que haja quem tenha a certeza de uma coisa ou de outra, ou de que se não pode ter certezas! "Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus".
Se procurarmos o que nos une, europeus, para que Norte aponta a bússola da nossa civilização, o que procuramos criar com a Democracia, o Desenvolvimento e a Descolonização, que eram os três DD do 25 de Abril, o dia do nosso regresso a casa, cabeça perdida da Europa que éramos, encontraremos um valor, para nós, europeus, fundamental e que não sabemos imaginar que o não seja no Mundo: a Dignidade humana.
É um conceito que implica o respeito pela liberdade, pela democracia, que implica que se acabe com a fome, a miséria, a iliteracia, a falta de abrigo, que implica que as minorias sejam respeitadas e se possam exprimir—é um vasto conceito. A nossa civilização admira quem, em circunstâncias adversas, mantém a sua dignidade, mesmo sacrificando a vida; mas caminha para uma sociedade em que essas circunstâncias não existam, em que as agressões à dignidade humana sejam impensáveis.
Convém lembrar que apenas 33 anos nos separam dessas circunstâncias politicas, no nosso país.
E lembrar que ainda temos muito pela frente, que o medo teve 40 ou 50 anos para se entranhar nas pessoas que ainda não acreditam que voltámos à Europa.
Ainda há quem sinta que não conseguirá resolver nada numa repartição pública se lá não conhecer alguém, ainda se pede a quem conheça o médico da pessoa de família que foi internada que “dê uma palavrinha” por ela (diga-se que não foram os médicos quem criou essa atitude!); ainda se receia não conseguir um trabalho por razões exteriores à competência profissional …
O liberalismo económico, dinheiro gera dinheiro, está a criar uma separação entre os que o têm e os que o não têm que faz lembrar tempos antigos.
Foi a fome de dignidade, não apenas de comida, que levou tantos portugueses, nos anos 60, para as terras frias do Norte da Europa, votando com os pés, envergonhando Salazar. Lembro-me do espanto dos que aceitavam o salazarismo quando se falava de dignidade humana— nunca tinham tido a sua pisada, não achavam que isso fosse um assunto político: “afinal, mesmo na prisão, um homem pode manter a sua dignidade, é um assunto pessoal! E, se são capazes, trabalhadores, inteligentes, porque não se juntam a nós, que vivemos bem? O regime é justo!”.
A Europa é uma árvore jovem, com 50 anos, que ainda se alimenta do estrume do nazismo e da sua guerra. Não deixemos de a regar: há períodos de seca pela frente, há doenças possíveis, riscos vários, tempestades— acarinhemo-la!
É possível que o filme que precede o logótipo das comemorações dos 50 anos da Europa
se inspirasse nesta imagem de Europa, satélite de Júpiter, tirada pela sonda Galileu.
Salazar ganhou o concurso da RTP para escolher o maior português de todos os tempos!
É certo que votaram 200 e tal mil pessoas, ou seja apenas 2 % dos portugueses, é certo que foi uma oportunidade de revanchismo, enquanto os portugueses democratas (os que se deram ao trabalho de votar neste concurso) se dispersaram por tantas possibilidades, os saudosos do tirano se concentraram no mesmo voto. No tempo da outra senhora, Salazar era, para os seus adeptos, o maior português de sempre; para os seus adversários nem sequer havia unanimidade em que fosse o pior!
Está de parabéns a direita, soube ser eficaz para ganhar um concurso televisivo. E estão de parabéns os democratas, que permitem que a direita se exprima. Quanto a Portugal…é paradoxal!
N.B. O Público de ontem, 27 de Março, fala em 50 mil votantes, dos quais 7 mil em Salazar (seriam 0,07% dos portugueses, incómodo, apesar de tudo!)
Se houver uma realidade objectiva, independente do observador que somos – coisa pouco provável, diga-se! — as palavras nunca a dirão bem. Se falarmos da realidade das palavras, de uma que se molde a elas, mesmo assim há quem dê às palavras conteúdos diferentes; conteúdos aparentados, muitas vezes, mas sempre diferentes, variando com a sub cultura dentro da língua.
Resta dizer o que é a direita neste texto (escrito às 6 da manha para substituir os cigarros).
A direita é o ponto de vista conservador (a esquerda o inovador). Tem, portanto, razão de ser se a inovação for para piorar e não tem razão se ela for para melhorar. Mas a direita é também o temperamento que se atém ao ponto de vista conservador, aquele que tem medo da mudança só porque é mudança. A esse temperamento, o estudo só interessa se for ajudar a manter tudo como está, no essencial. “É preciso que mude alguma coisa para que tudo fique na mesma”, como dizia o belo príncipe siciliano, personagem de Visconti, face às mudanças que Garibaldi trazia.
Há uma direita inteligente, ou melhor, que vê as coisas como são—na medida em que isso possa ser!—direita que sabe que as sociedades são injustas, mas que não acredita que possam deixar de o ser. Baseia-se na História, mas essa pode ter sido escrita por quem tenha apagado—ou nem mesmo pensado em inclui-los—alguns momentos em que houve justiça, no sentido social da igualdade, não apenas no legal.
O problema com a direita, como com tudo, é o exagero. O temperamento conservador pode cair na tentação de negar a evidência. Pode mesmo proibir que se diga o que vier pôr em causa o pensamento habitual, tranquilizador, os hábitos. A censura é de direita. Se Estaline a usou foi de direita.
O lado chocante da direita não é bem o ser conservadora, é o uso do poder para negar o diálogo, a procura de verdades novas. Para negar o direito de pensar, de escrever, de procurar a Verdade (claro que é provável que não exista, mas dessa procura se tem feito a civilização).
Pode-se ouvir uma pessoa de direita dizer que “a Verdade não interessa”. Aí estamos no desequilíbrio — que também pode acontecer à esquerda, se negar o irracional! —estamos no caminho em que a única inovação são as modas irracionais e cíclicas, estamos a negar a razão, a civilização, a possibilidade de fazer ciência.
Ora, somos animais irracionais, sujeitos a paixões. Se a paixão da ordem habitual, da aparente segurança que ela traz nos levar a ser surdos, a não querer ouvir, ver, interrogar, pensar, essa paixão levar-nos-à ao sofrimento. Creio que havia umas irmãs do Lampedusa que recusavam a tal mudança para que tudo ficasse na mesma.
Mas há um sofrimento que não é sofrimento, não é visível: podemos ter sempre jantares com criados de libré e ter perdido algo que nem sabemos já que existe: o gosto de procurar a inacessível verdade, de experimentar novos critérios, de estudar.
A direita corre o risco de “vender a alma ao diabo”: quando pede a quem diz algo que incomoda que se cale, ou quando já não pede, ordena que se cale. Ou quando manda prender quem possa pôr em causa as “certezas” em que baseia a sua segurança.. Quando rejeita, quando mata, porque chega aí a defesa do sonho, do único mundo que lhe faz sentido, mesmo que seja injusto, irracional. Mata o mensageiro da verdade, se for preciso, tudo menos vê-la.
Na linha da esquerda temos quem inventou que somos livres, o tal livre arbítrio. Quem inventou que somos todos iguais, todos irmãos, filhos do mesmo Pai celeste.
“Não percebia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca” mas é muito citado pela direita, pouco pela esquerda. Paradoxos.
A linguagem da Lua também usa a voz; usa-a como um instrumento musical, para pontuar silêncios, juntar emoções em melodias que dizem sentimentos, ou em ruídos que dizem frustrações e confusões. Faz onomatopeias, usa o som das palavras pelos tons e os conceitos usa-os como os pratos, para fazer um chinfrim inquietante.
Aprende-se em criança, antes da linguagem do Sol e das palavras, fala-se por intuição, por sorrisos e pela falta deles, por gestos suaves ou contidos, graciosos ou bruscos; e só depois se aprendem as palavras.
Se a criança se sentir segura, tiver algum prazer e puder ser quem é, reconhecida como alguém que existe e pensa e vê; se se sentir amada, amar e chegar a sonhar e a desejar seus sonhos a aparecer, reais, então, na tranquila intuição saberá que fala a linguagem da Lua. Podem vir as palavras, os números, a razão, a idade adulta que o seu espírito tem um canal para ouvir e falar com o corpo.
Se tiver medo, não houver prazer e se se tiver que submeter, antes de ser, ao papel dado, na esperança de um afecto que só vem se o souber representar— o que nunca sabe porque está a ser escrita, a aprender de cor, porque lhe faltam sempre novas folhas do estranho script; então só pode macaquear os adultos, que, agastados, lhe pedem que seja criança, um outro misterioso script, escrito na infância deles, adultos, inacessível. Acontece, naturalmente, que ela aprende, antes da madrugada, a linguagem do Sol, refugia-se na clareza das palavras sem corpo, espera que ele nasça, esquece a Lua, deixa aquela cadeira básica, a linguagem das emoções, dos sentimentos, por fazer, atrasada!
A linguagem do Sol é a do adulto, da razão. Nascido o Sol a falta da Lua se não nota tanto e passam-se as etapas do rigor das palavras e dos números, do progresso, do poder sobre as coisas concretas.
Mas, na terceira idade de Saturno, o Sol se vai pondo e a Lua vai nascendo.
Se se tratar de uma velha conhecida, sabe bem aprimorar uma línguagem quase esquecida, tão desprezada, refinar sentimentos que ficaram esboçados, ver os sonhos esquecidos da infância no crescer dos netos, falar com eles sem palavras, sentir. Mas se nunca se falou bem a linguagem da Lua, com desenvoltura, a cadeira atrasada é difícil, inacessível.
Os sentimentos doem, falta a luz clara da razão, entra-se na noite, no desconhecido, mergulha-se no inconsciente, lunar, "antiquíssimo", parece que o neocortex se apaga com o Sol ... resta a "boutade" que se dizia aos caloiros: "não há nenhuma cadeira que se não possa fazer em 24 horas!" Mas já não somos caloiros.
“Tens que viver! Entra no jogo!”, disseram-me em pequeno.
Mas eu não obedeço às ordens e gosto de inventar as regras…
São já dois ciclos de Saturno a inventá-las
Descobri-las, criá-las, propô-las, testá-las, explodi-las
E continuo exactamente em frente da tabacaria do outro lado da rua
(que, por sinal, é uma mata com arvores
onde, por vezes, passam pessoas a correr para nada
— ou para não [ter que?] pedalar numa biciclete parada)
Admiro o holandês que insiste em ser julgado por comer chocolates
E em ser preso pelo trabalho infantil nas plantações de cacau
Eu, que sinto na carne toda a pobreza do mundo
E do que sabemos dele e das estrelas todas!
Eu, que já estou preso pela minha justiça,
por não saber ser nada, por não querer ser nada
por ser tão preso como os que mandam prender gente, pelos que mandam amar…
Sim! porque somos todos presos
Globalmente, em sentido real
Se não pelas regras que nos mandamos fazer,
Pela vida que nos fez
E nos manda viver
Mas abri a janela e está Sol
Há uma família que passa na mata com o cão,
Um menino que vai atrás com um pau
(e ninguém lhe diz nada)
Leva o pauzito como quem empunha um ceptro…
Pode ser que ainda ande meio à solta
e não queira inventar regras
para libertar toda a gente.
Grito-lhe sem palavras,
Através do vidro duplo,
Adeus ó Imperador!
Mas já todos passaram
e ninguém me sorri.
António Lobo Antunes foi premiado pelo seu mérito. Nasceu numa família de direita que valorizava o mérito e foi para Angola quando acabou o curso de Medicina; era assim, como ele conta: "Acordei para esses valores (os da liberdade, da democracia, da cultura e do progresso) em África, na guerra colonial, como, aliás, muitos homens da geração a que pertenço".
Tão forte foi a experiência de ser o filho mais velho de uma família da “elite”, como se dizia no tempo da outra senhora, que o resultado foi paradoxal, português; e permite a Eduardo Lourenço falar de uma obra “cuja inscrição ideológica é difícil de situar”. Ouçamos o premiado:
"Nos meus livros falta, talvez, uma dimensão – que eu tenho – de prazer, de alegria, de gostar de viver, de estar com os amigos. Isso não aparece, dá-me ideia, nos meus livros, ou se aparece é sob uma forma de sarcasmo, de ironia. Embora digam isso, não me sinto agressivo, sinto-me miúdo, em certas coisas sinto-me pequeno, pequenino, gostando de chatear os adultos, mas tenho funcionado sempre assim, sempre em temas tão afectivos!"
in Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano I, nº23, Janeiro de 1982
"(...) consideras-te, mesmo, um grande escritor?"
"Considero-me, pelo menos, um escritor que trabalha muito."
"O homem é o meu objectivo primeiro."
"A tua experiência como psiquiatra serviu-te para o teu trabalho de escritor?"
"Não. Não serviu para nada. Serviu para conhecer os psiquiatras e para ter medo deles. Uns caça-níqueis do caraças..."
in Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano V, nº176, Novembro de 1985
"(...) procura desesperada e impaciente de uma maneira pessoal e dizer as coisas, porque para escrever livros é preciso negar todos os outros escritores, evitar o «está-me a soar a», ou, o que é ainda mais grave, o «isto está-me a soar a mim próprio», que é quando a gente se começa a repetir. Como dizia há tempos o Antonio Tabucchi (...), «com a idade há dois perigos para quem escreve, que são a hipertrofia do eu e a hipertrofia da próstata, e a hipertrofia do eu é muito mais mortal»."
in Visão, 26 de Setembro de 1996
"É muito raro a gente apreciar um livro de um escritor de quem não gosta de dizer: «eu não gosto, mas é bom!» E acontece: eu não gostava do Virgílio Ferreira, achava-o um tipo, enfim, um tipo de que eu não podia gostar, um bocadinho para o estupor. No entanto... ele tem livros mesmo bons, bons a sério. Isto é verdade, e tenho que o reconhecer."
in Ler, nº37, Inverno de 1997
"A gente está sempre a escamotear as coisas, mas escreve-se para se ser lido, se não não se escrevia. Todos os escritores se preocupam, mais ou menos secretamente, com as vendas: gosta-se de se ser conhecido, reconhecido. A gente esconde muita coisa para pentear a imagem, mas o público não é parvo, sabe perfeitamente que os escritores são todos narcisistas: o grande sonho de todos, eu incluído - e não só dos escritores mas de toda a gente -, era sermos amados por toda a gente."
in Diário de Notícias, -----------
Carl Honoré, um jornalista londrino “speedado”, que saltava frases ou mesmo páginas ao ler uma história ao filho, para ele adormecer, chegou àquele ponto em que o excesso de yang o transforma em yin e escreveu um livro, já traduzido em muitas línguas, In Praise of Slow
O ex-reitor (dean) de Harvard, Harry Lewis, escreveu um artigo para os alunos e seus pais intitulado Slow Down!, em que aconselha a fazer menos, só uma actividade extra-curricular, por exemplo, isso dá melhores resultados, mais criatividade, melhora a vida. Há um movimento de cidades que querem abrandar, Slow Cities, que começou em Itália (há quem veja Florença numa tarde!). Slow food, também, cozinhar é um prazer… curioso é que o assunto se discuta no Brasil, as pessoas interrogam-se: Para onde vamos? Não queremos ficar como os americanos, em muitas coisas, como seja a correria que dá cabo da vida. Viver-se-á, um dia, melhor que na América, nos países "emergentes", como o Brasil.
Entendermo-nos parece fácil, se soubermos a língua em que o interlocutor se exprime; e se formos honestos, francos, se procurarmos ser claros, se quisermos comunicar.
Mas, de facto, é difícil!
Apesar da (excessiva!) informação que nos cai semelhantemente em cima, todos os dias, apesar de vermos as mesmas telenovelas (que também nos caem em cima se aparecermos depois do jantar!), apesar de falarmos a mesma língua, todos temos um fundo cultural diferente. Imaginemos um lavrador (dos que já não existem!) a falar com o filho engenheiro. Este propõe-lhe, por exemplo, que se converta à agricultura biológica, apoiada pela União Europeia, fala-lhe das consequências ecológicas dos fertilizantes com azoto que vão ter ao ribeiro e daí ao Mar, dos insecticidas organofosforados que não são degradáveis… e o Pai ouve-o; a cultura popular tradicional (em vias de ser substituída pela das revistas de escândalos) é riquíssima, cheia de bom senso, tem sempre um dito de antiga sabedoria para tudo— mas que fazer quando confrontada com o pensamento científico? Com a verdade baseada na descoberta de leis naturais a partir de factos mensuráveis e não da Teologia? Se aqueles produtos funcionam, porque não havemos de os usar? Só se o Vaticano instruir os padres sobre esse novo pecado… e mesmo assim… mas talvez não seja um bom exemplo, ainda há velhos lavradores que ficariam contentes por abandonar os produtos tóxicos e voltar a fazer a compostagem tradicional do estrume— e braços para o fazer?
Imaginemos antes o jovem engenheiro a falar com o velho senhor das terras, formado em Coimbra, em Direito (claro!) cuja matemática ficou pela tabuada e de ciência conhece a Jurídica, leis mal baseadas em observações, antes na moral e nos costumes, soberanamente alheias à experiência, muitas vezes desastrosa, dos seus efeitos práticos… não é fácil!
Fácil é estabelecer-se uma desconfiança mútua: “como hei de falar de ciência com quem a confunde com moral”? e: "este rapazito quem pensa que é?"
Saltemos para um contributo para ajudar a melhorar a situação, uma convicção partilhada.
Uma cultura, ouso até dizer, uma “civilização” que teve sucesso foi a dos nossos herdeiros, os ingleses, que pelo mundo semearam a língua de Shakespeare. Como se entendem uns com os outros? É minha convicção que os estudantes ingleses, desde os tempos elisabetianos, não se ficaram pela ciência. Todos leram o dito dramaturgo e, com isso, interiorizaram, incluíram na sua estrutura mental a essência da sua civilização, até a sua sabedoria popular. Criaram uma linguagem comum. Há sempre uma frase de Shakespeare de que ambos os interlocutores se lembram, ao mesmo tempo, no decorrer de uma discussão. E há o humor, a ironia, o respeito pelo adversário— tudo está, também, nas peças de teatro que todos conhecem.
Temos Camões, eu sei, poderia servir para nos conhecermos— mas parece que fazemos gala em o não ler! O que me parece interessante lembrar é que houve quem quisesse que tivéssemos uma referência que ultrapassasse a dos ingleses. Quem imaginasse o aparecimento de um “Super-Camões”, sem saber, sabendo, quem o poderia ser. Quem criasse a derivada do drama, o “drama-em-gente”, quem levasse a paradoxal essência da nossa civilização, universal, por portuguesa, a uma obra literária. É minha convicção que, se o lermos, todos, aumentaremos exponencialmente a possibilidade de nos sabermos entender uns com os outros: falaremos a mesma língua. E é ainda minha convicção que isso se vai passar. Mais século menos século!
A Liberdade, esse mito moderno que partilho com tanta gente, talvez seja um aspecto da nossa ambição de entendimento, de conhecimento. Presos na nossa subjectividade queremos entender os pontos de vista dos outros, parece que nos queremos aproximar do ponto de vista divino, da omnisciência. E porquê? Porque é no nosso entendimento do sentido das coisas que se baseia a nossa segurança e é doloroso confrontarmo-nos com as insuficiências dele. É como se vivêssemos num filme em que já conhecemos as personagens, as regras do jogo e em que, a cada passo, elas nos mostrassem novas facetas, a sua infinita complexidade. O conforto de entender posto em causa, ou criamos um novo entendimento, mais complexo, ou tentamos impor o nosso, nos irritamos e falhamos; porque as personagens têm o seu e não se submetem ao nosso.
A Liberdade é o que poderia vir de termos à nossa disposição os pontos de vista todos. De aceitarmos e entendermos os dos outros e de sermos, pelos outros, aceites e entendidos. De ter a visão global, alargada, que nos evitasse a triste reacção de nos irritarmos com os comportamentos que saem fora do nosso entendimento do sentido das coisas.
Mas isto, a Liberdade, não passa de um ponto de vista, uma proposta de filme, de funcionamento social. Que fazer com quem a não aceita, com quem quer impor os seus pontos de vista pela força, essa falta de respeito e sensibilidade? Impor o nosso, o da Liberdade? Isso é uma contradição nos termos. Daí a noção de direito de defesa, de um limite para a liberdade do outro— quando ele quer impor o seu filme, a sua visão do mundo, somos forçados a não permitir. Fazemos uma fronteira, não nos submetemos. Dialogamos. Mas se não querem dialogar, esse processo que alargaria o entendimento de ambos?
Se fugirem ao diálogo, à busca da verdade possível, da visão binocular, com relevo, que vem da fusão de dois pontos de vista, se preferem tentar impor que percamos o nosso ponto de vista e alinhemos com o deles, se nos dizem que não há nada para conversar, lhes basta um olho, um ponto de vista, então não fazemos nada! Nada. Continuamos disponíveis para “trocar” pontos de vista mas nada podemos fazer que não viesse destruir o nosso mito de Liberdade.
A natureza dá-nos, porém, uma esperança: permite-nos fechar os olhos, fechar a boca— mas não podemos fechar os ouvidos! Os conceitos expostos em palavras, mesmo que não sejam aceites, são ouvidos. E, no silêncio, fica a esperança.
Hoje e amanhã, vá hoje que amanhã já não estão bonitas, é uma flor frágil. Vale a pena visitar para ver a imensa variedade de flores dessa arvore que os portugueses trouxerarm do Japão, há tantos séculos -- a japoneira, tão típica dos jardins do Porto, e que dá camélias! (daí haver quem lhe chame "cameleira", lá para o Sul). Para chegar ao Palácio do Freixo, perto da dita ponte, se formos a partir da Ribeira, para nascente, junto ao rio, logo depois da rotunda vemos a nova entrada, moderna. E aproveitamos para visitar o edifício de Nasoni, recuperado pelo arq. Fernando Távora.
Aborto: lei aprovada por PS, esquerda e 21 deputados do PSD |
A nova lei do aborto, que despenaliza as interrupções da gravidez realizadas por opção da mulher nas primeiras dez semanas, foi aprovada esta quinta-feira em votação final global pelo PS, PCP, BE, Verdes e 21 deputados do PSD.
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08.03.07 - 19:36 |
Somos um animal ambicioso, realizámos artefactos e sociedades organizadas que nos surpreendem a nós mesmos. Mas somos animais, uns primatas cuja situação “natural” é ter um chefe que para isso lutou e disso tira os privilégios. Os nossos primos menos brilhantes também têm o instinto da solidariedade, não se ficam pelo da luta pelo poder. Acontece que foi esse instinto de solidariedade que nos permitiu organizar sociedades capazes de permitirem as nossas proezas como espécie. O pacifismo radical de Buda ou de Jesus foi uma descoberta cultural sem a qual não teríamos chegado a este grau de complexidade. Tão grande ela chegou a ser que nos esquecemos da nossa natureza animal; quando a redescobrimos, com a modernidade, com a ciência, houve uma reacção anti-religiosa cujo caminho continua ainda hoje (embora o crescente movimento New Age já seja o sinal de uma reacção contrária). Darwin, o naturismo, o fascismo dos anos 30 são a modernidade a dar importância ao facto de sermos animais. Os fascistas criaram o culto do poder, do chefe e até da violência (hoje sabemos como os animais são poupados com a dita em relação aos da sua espécie).
O liberalismo é uma forma de manter a luta animal, que os nossos modernos continuam a considerar inevitável, dentro das regras da competição. A maior parte das pessoas continua convencida que “a vida é uma luta”. Não digo que não seja, digo que não pode ser; ou seja, para sobrevivermos enquanto espécie o fomento desses instintos não é acertado. E, para os que acreditam no instinto de sobrevivência das espécies, a luta colectiva da nossa pela sua sobrevivência sobrepor-se-á à luta individual. É o tempo da solidariedade, especialmente desde que a crise climática nos deu, espécie, um problema comum.
Partilho com os anarquistas a noção de que o poder sobre os outros é prejudicial às sociedades. Temos o poder de ver, entender, agir, melhorar a vida. Mas, quando temos poder sobre pessoas, as amedrontamos, as forçamos a servir-nos, lhes dificultamos a dignidade— coisas que se passam muito mais que o que gostamos de ver— estamos a prejudicar a espécie. E ela tem diante de si o maior problema de sobrevivência que teve desde que nasceu. Hoje não há canto do planeta a que não chame a sua casa— mas o planeta pode deixar de ser habitável!
A este propósito aconselho o artigo na última página do Público de hoje, uma resposta com humor a quem comparou os ecologistas, ao divinisarem a Terra, aos padres que atribuíram o terramoto de Lisboa à cólera divina. Chamei Gaia à Terra, o nome de uma deusa grega, mas o conceito é apenas para dizer que ela é um ser vivo, sujeito a morrer.
O padre Theillard de Chardin, um jesuíta que era cientista e filósofo, lançou, nos anos 50, o conceito de Noosfera, em que nós seríamos o sistema nervoso do planeta, a sua consciencia (antes do Internet e da globalização!). É legítimo ser poeta, visionário ou filósofo, isso não atrapalha a ciência. Se somos a consciencia da Terra pararemos o aumento de CO2 na atmosfera. O nosso sofrimento actual é semelhante ao de um fumador que lhe custa diminuir o consumo em que se viciou. Mas que sabe que o tem que fazer!
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