Só depois de escrever isto me lembrei que parece uma resposta ao artigo de Pacheco Pereira sobre os blogs, no Público de hoje; todos lemos o Abrupto, de vez em quando, é culto, inteligente, informado and all, mas cada um é como cada qual, deixemo-nos de os fazer à nossa imagem e semelhança, deixemos a blogosfera ao natural. Demora cinco minutos criar um blog, há milhões, e daí?
Aceitei que não interessa dizer o que me dói.
Mas, a quem pode interessar que eu diga o que me não interessa a mim?
Outros haverá que o digam bem.
Será, será que aceitei que o que não interessa é sentir dor?
Ou dizer o que se sente?
Será que aceitei que sou o que não interessa?
Foi assim, desinteressadamente, que me chamaram nomes, para meu bem.
Interessou-me, porém, saber o que me sentiam: egoísta e mau.
E passei a não dizer a minha dor, só a de todos (metáforas, quiçá).
Falo da fome em Africa, da estupidez do consumo, do anidrido carbónico no ar…
Então disseram-me que sou burro em me interessar por isso, que é pretensão, que as pessoas normais se interessam pelas suas vidas.
É por isso que aqui estou, guitarra ao ombro, a dizer a minha dor. É minha, muito, muito minha e há de haver a quem interesse. É de todos por ser minha, quem sente, sente a sua e deveras me atrevo a dizer: é por sentir que se interessa, que não é desinteressado.
Enquanto te ajudo a levantar, em silêncio, procuro no teu espírito a clareza da lição de ter caído. Só se a não vir é que, passado um pouco, deito um pouco de luz com palavras claras mas gentis. A experiência é tua, só estou aqui, a teu lado, por acaso. E nas minhas palavras não há julgamento nem falo de cima para baixo, há um pouco de luz, que não te forço a usar nem a agradecer.
Não te dou a minha experiência, porque se não pode dar; dou-te a minha companhia.
Nos assuntos importantes, aqueles de que nada se sabe e de que todos temos opiniões, argumento ferozmente, opino, mas as minhas palavras não saem do contexto, não são sobre ti, são ideias. E o jogo das ideias é um jogo violento, mas tem regras, e as regras são sempre as mesmas: respeito e liberdade.
Se defenderes que se pode conversar sem respeito ou sem liberdade, defendo-me com palavras. Só com palavras, argumentos. Cumpro as regras e poderás usar esse exemplo, ou não. Eu usarei as minhas regras, a minha opinião, no que a mim diz respeito.
Se vires que tenho prazer em ver-te crescer, não vejas vaidade, vê prazer. Não tenho medo que caias.
Este crime não mereceu um protesto diplomático da presidência portuguesa da UE. Há regimes políticos que merecem a preocupação da OMS, são uma doença que mata.
Partindo desta ideia de que ”a verdade está no paradoxo”, creio que houve dois governos, em Portugal, que corresponderam ao que o país precisava: o de Mário Soares no bloco central e o de António Guterres. O primeiro juntou a tradição republicana, anti-clerical, socialista, com a da “ala liberal” do antigo regime, católica, inconscientemente monárquica, quiçá. O segundo teve um primeiro-ministro socialista e católico. Lembro-me de as sondagens mostrarem um apoio de pouco mais de 5%, tanto a um como a outro.
Mas aquela gente estava a governar Portugal, onde existe o que é costume chamar de “sistema”: as cunhas, os oportunismos, o senso comum que deixa passar a desonestidade. Aquilo a que Guterres chamou o pântano, quando bateu com a porta. Vejo-o como um daqueles portugueses que “ficaram desempregados depois das descobertas”, como diz Fernando Pessoa. O mar alto anuncia a tempestade, o pântano é traiçoeiro e não se avança, não dá para navegar.
Um pântano conhecido de quem queira construir é a LEI. Não falo do seu espírito mas dos intrincadíssimos regulamentos que, na prática, o negam. Dão-se bem os “patos-bravos”, nesse pântano, gozam com os caçadores, preocupados mais em sobreviver que em lhes dar caça. Quem sair das auto-estradas vê o “ordenamento do território” que o sistema pantanoso criou.
O conhecimento intuitivo de que a Ota não é sítio para o aeroporto, por exemplo, pode ficar submerso em complicadíssimos dossiers em que entra misteriosa legislação europeia e indígena. E pode ser que tudo se destine a levar à boleia do aeroporto a criação de uma linha de TGV entre o Porto e Lisboa, linha que custa mais que o valor da PT, conhecido quando da OPA, e que nos pode dar um quarto de hora de ganho de tempo mas, mesmo esse, é duvidoso. Dá um aumento de preço, falta de orçamento para manter a velha linha, deliberadamente mal tratada para que a nova não fique às moscas.
No pântano só sobrevivem os bichos do pântano. Os outros afogam-se.
Havia uma porta. Lembro-me. Uma porta entreaberta, pouca luz do outro lado, meia escondida no meio de tanta coisa: ficou para depois, havia tanto que ver!
Um comboio eléctrico, gavetas de fotografias, um bilhar, consolas, um armário com marmelada, vinhos, uma biblioteca com livros nunca vistos, com obras desconhecidas de autores conhecidos... Havia um sofá com um bom candeeiro… esqueci-me da porta!
Olhei por acaso nessa direcção e pareceu-me que já não havia a fraca luz do outro lado. Só então me deu para investigar a porta.
Estava fechada.
Descobri de repente que estava preso. Foi como se acordasse dentro de um sonho e não saísse dele.
Fiz tudo para a abrir, fiz um aríete, tentei fazer uma fogueira, até. Crescia a angústia, o medo espreitava, lembrei-me da fome.
Pensei. Se o tempo fechara a porta, talvez a abrisse. Mais nada na sala me interessava, desde que sabia que estava preso. Deitei-me no sofá, a ler, até que o sono chegou e me trouxe aqui.
Por isso escrevo, porque, neste sonho, escrevo; estou livre de sair, creio— mas vou experimentar, leitor, compreenderá!
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