Quarta-feira, 23 de Maio de 2007

Sào coisas que se passam

A avaliação que diferentes pessoas fazem da realidade é diferente.

Comecemos por procurar saber se há a tal de realidade ou se é apenas subjectiva.

Uma lagartixa subiu a coluna de pedra e, depois, a trave de madeira; agora não a vejo, ela é real? Para responder vou buscar as palavras. Existe a palavra realidade e o conceito aplica-se aquela lagartixa que não vejo. Pois é esse conceito, produto do esforço antiquíssimo que vamos fazendo para comunicar uns com os outros e a que chamamos cultura, aquilo que é a realidade. A lagartixa existe embora não esteja visível.

Há, actualmente, filósofos que negam a existência da realidade. Mas não podem negar a existência das palavras que usam, que são usadas por muitos, foram usadas por muitos que já não são vivos e, provavelmente, continuarão a ser usadas. Os conceitos existem e correspondem aquilo para que servem. Seria simpático que a lagartixa aparecesse outra vez, mas elas costumam estar escondidas a maior parte do tempo e isso também é real. A realidade é o conceito de real. É útil, precisamos dos conceitos para comunicar, em última analise para sobreviver enquanto espécie.

Sabemos que cometemos (e amiúde) erros na nossa avaliação da realidade. Por desleixo de a ir procurar posso dizer que não há lagartixas por aqui. Ou seja, para eu conhecer a realidade tenho que aceitar um esforço, uma procura. Àquilo que vemos chamamos o visível, não a realidade. Confundir o visível com a realidade é um erro. A realidade é um conceito que inclui muita coisa que não conhecemos. Mesmo colectivamente (o conhecimento científico), não abrangemos a realidade.

Mas isso não quer dizer que não possamos conhecer aquilo que conhecemos. Como acontece que a vi subir a coluna eu posso afirmar que há uma lagartixa por aqui, provavelmente em cima da viga mas, decerto não muito longe. Se alguém chegar e me disser que não há lagartixas por aqui eu informo-o de que está errado. Assim, sem a ter visto a subir a coluna, o visitante pode saber que ela existe.

É claro que para que haja esta possibilidade de conhecer realidades que não experimentamos é necessário que falemos verdade e confiem em nós.

Tem imenso interesse, é útil ao grupo (à espécie) que as pessoas façam corresponder as palavras à realidade e que confiem umas nas outras. Dessa forma a cultura permite-nos alargar imenso o nosso conhecimento do real.

Daí que se tenha criado uma pressão social para que as pessoas tenham cuidado em procurar ser verdadeiras e em confiar umas nas outras. Sem isso não há cultura, nem civilização, voltamos atrás, ao tempo dos primatas espertos que somos no fundo.

Houve uma época em que se valorizou a força, o tempo das tiranias dos anos 30, na Europa, um tempo em que redescobrimos a nossa natureza animal, valorizamos o poder, os macacos alfa (como o senhor Hitler LOL), a ideia de que a vida é uma luta, ideia resultante do conhecimento, biológico, do funcionamento das outras espécies não falantes.

Estes novos valores entraram em contradição com o de procurar a verdade. Se o meu objectivo for ter poder sobre os outros pode ser-me útil mentir. De tal maneira se tinha tornado natural valorizar a verdade e a confiança que o povo foi presa fácil da mentira. Por exemplo Salazar apresentou-se como um homem sério e foi-lhe fácil esconder o que hoje todos sabemos: que mandava para o Tarrafal os adversários políticos mais incómodos e que lá se morria quase sempre, por doenças, pelo simples calor na “frigideira” e pela falta de bons cuidados médicos.

A mentira compensava com o poder aquele que dizia que “em política o que parece, é!”.

Hoje conhecemos a verdade mas os estragos na confiança e, portanto, na evolução cultural foram brutais. Andamos para trás. Hoje desconfiamos uns dos outros provavelmente muito mais que antes dessa época em que pessoas foram, às escondidas do povo alemão, para campos de extermínio. O trabalho de restituir a verdade como valor interessante e a confiança que disso resulta ainda vai demorar muitos anos.

Como adaptação muitas boas pessoas decidiram negar a realidade. Quando se fala de verdades que estavam escondidas, como o Tarrafal, zangam-se. Talvez porque era confortável não saber? Não sei, sei que se zangam, que começam a insistir que a verdade é um mito, é subjectiva, é a nossa mas não é a de todos, não existe, até nos dizem que não é útil afirmá-la, que só lhes interessam as verdades que sejam úteis!

Faz-me lembrar a história de um casal que queria ir de carro para Lisboa mas se enganou e, quando descobriu que estava a caminho de Braga ficou a discutir, continuou a avançar para não perder tempo e demorou muitos quilómetros até fazer a inversão do sentido de marcha. Há quem diga que almoçou em Braga, e, para encontrar uma utilidade ao engano, decidiu que tinha sido boa idéia. Terá chegado a Lisboa ou convencer-se-ia de que queria ir a Braga? Teria sido uma "verdade" útil para o seu bem estar?

Ou seriam uns antiquados para quem só há uma verdade, a de que se tinham enganado no percurso e tentado enganar a si mesmos? Depende de se a verdade lhes interessava ou não. Uma coisa é certa, aqueles para quem ela interessa têm uma maior probabilidade de realizar o seu objectivo, neste caso de chegar a Lisboa. Aqueles para quem ela não interessa poderão ter poder sobre os outros, mas não sobre o seu destino! Andam à deriva e não são livres. Com as civilizações é pior--andam definitivamente para trás!

 

 

publicado por paradoxosfilho às 12:35
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