Sábado, 22 de Março de 2008

O bom senso nunca é reaccionário

Era obrigatório ir à escola até à 3ª classe, depois até à 4ª (sem a 4ª classe não se podia ter carta de condução, muita gente se instruiu por isso!).

Aos 10 ou 11 anos, com a 4ª classe, quem quisesse, tivesse pais dispostos a isso (e capazes disso), podia fazer o exame de admissão aos Liceus. É que se podia ter a 4ª classe e não ser admitido aos liceus.

Ser admitido, que coincidia com tirar o bilhete de identidade, que era necessário, era o final da infância, uma espécie de iniciação; era habitual, no Liceu, os alunos serem tratados por Sr. Fulano, enquanto na escola não.

Estes senhores estavam no Liceu porque tinham conseguido entrar lá. Ninguém os coagira. No Liceu havia uma disciplina, claro, havia regras; as regras faziam parte da escolha que o aluno fizera, a de ser aluno! Em alternativa poderia ter ido trabalhar como servente de um mestre, instituição medieval que perdurava, ou simplesmente continuar a ajudar no campo, com responsabilidades que iam crescendo com ele. Havia sempre lugar na lavoura.

 

Era uma sociedade injusta, como a de hoje, aliás. Os filhos dos proprietários rurais iam parar a Coimbra, onde pouco aprendiam, os filhos dos caseiros dificilmente. Essa injustiça foi sentida pela geração que apoiou a Reforma do ministro Veiga Simão, do governo de Marcelo Caetano, o privilégio, sentido, justamente, como injusto, deveria ser expandido a toda a população. Eventualmente o ensino obrigatório estendeu-se aos Liceus. Os miúdos, coagidos a estudar por força da lei, deixaram de ser senhores. Gente coagida a fazer algo cabe melhor na designação de escravo.

 

Os Liceus encheram-se de gente que não queria estudar, que lá estava porque a isso era obrigada. Como era muita gente precisava de muitos professores, que as universidades produziam aos milhares e a quem a sociedade não conseguia dar emprego suficiente. Professores que, muitas vezes, teriam querido ter outro trabalho. O que é estranho é que destes novos liceus tenham saído alguns dos melhores cientistas do mundo, e saíram!

 

Mas não é estranho que uma “aluna”, obrigada a aprender francês, recuse à sua professora o direito de lhe tirar o telefone portátil. Estranho é que ela esteja na aula se a não quer ouvir.

 

Partilho o sentimento, que é o da minha geração, de que a escola deva ser acessível a todos. Abomino a ideia de que deva ser obrigatória (coisa que também será da geração que dizia “é proibido proibir”). Qualquer coacção é uma violência. A violência, além de desnecessária, não funciona. Aliás, só aprendemos o que queremos aprender. Tantos miúdos vão espontaneamente à Wikipédia procurar informações, conhecimentos … que sentido faria obrigar os miúdos todos a pesquisar a Wikipédia, para seu bem? E seria a enciclopédia toda, ou só aquilo que os ministros decretassem?

 

Eu sei, o bom senso está, habitualmente, uns bons 20 anos à frente do senso comum… e o dito senso comum ainda pensa que somos pouco mais que macacos amestrados que, se não formos forçados a ser civilizados só queremos fazer macaquices, um perigo! É um “humanismo” que não acredita no homem; que pensa que tem que fazer muitas leis para nos obrigar a ser gente.

Mas a nossa é uma geração anarca, leitor, cuidado com o que lê! É uma geração que acha que toda a gente merece respeito, que abomina a violência, que ama a liberdade e que tem a lata de pensar que toda a gente é assim, no fundo.

Os problemas da democracia resolvem-se aprofundando a democracia. Nunca com violência.

publicado por paradoxosfilho às 17:46
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Sexta-feira, 21 de Março de 2008

Tibete livre!

Respeito, dignidade, estes são valores centrais da Organização das Nações Unidas, são valores que estão na base da criação da Paz. Embora haja jovens que querem a independência, o Dalai Lama pede apenas contactos para uma autonomia; o importante é que se pare de tentar destruir uma cultura, com a sua religião, aquela que está no “Tecto do Mundo”, por sinal.

 

Petição pelo fim da violência no Tibete

 

De uma fotografia de Mica Costa Grande, Laasa, Novembro de 2003
 

Outra petição, ao Presidente da China, que vai em quase 800 milhões (errata de 14.Maio.2008: onde se lê "milhões" leia-se "mil". Hoje, o dobro, um milhão e seicentos mil).

publicado por paradoxosfilho às 12:34
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Sexta-feira, 30 de Março de 2007

Dignidade e respeito

um provinciano em Paris

Chegou o Verão e Piotr viu, na cozinha, o jornal que Alfred deixara, com uma fotografia de Hitler em Paris. Piotr escreveu no jornal, em polaco, com o lápis da cozinha: “quem não respeita a dignidade dos outros não respeita a sua”. Aconteceu-lhe! Sabia que era um gesto absurdo, demasiado perigoso, inútil, mas não foi procurar uma borracha para apagar o que escrevera. Deixou-o, assim, em cima da mesa da cozinha.

E, quando Alfred, que só falava com ele para lhe dar ordens, lhe pediu que traduzisse, Piotr, que sabia alemão para isso, disse: “quem não respeita a dignidade dos outros não respeita a sua”.

 

Alfred tinha 50 anos, era lavrador; tinha o filho na guerra e o filho fazia-lhe falta. Abstraindo da parte sentimental, era-lhe difícil arranjar um substituto para o trabalho que o filho fazia, um que aceitasse trabalhar só pela comida e fosse bem mandado, como era o filho, antes da guerra. Mas Alfred era patriota, ouvia o Fuehrer na rádio e trazia o cartão de membro do partido na carteira. Não reclamava. Falara, porém, no partido, da falta de mão-de-obra e tinham-lhe mandado Piotr.

 

Piotr tinha 20 anos, era filho de um lavrador e tinha sido apanhado na aldeia e transportado para ali. Chegara esfomeado e aterrorizado mas, quando lhe tinham dado uma malga de sopa, sorrira; tinha um sorriso bonito. Alfred, porém, não sorrira; lembrara-se das recomendações do partido para ter todo o cuidado em manter a dignidade da raça superior nas relações com o eslavo (houvera quem sentasse um escravo à mesa e isso fora muito criticado); assim, Alfred, que dantes comia na cozinha com a mulher, transformara o quarto do filho em sala de jantar e arranjara um lugar para Piotr no estábulo, que lhe pareceu mais quente que o celeiro.

 

Alfred não disse nada. Como interpretar aquilo? O rapaz compreendia que respeitava a sua dignidade respeitando a do seu senhor? Mas que dignidade poderia ter um eslavo? A palavra "dignidade" existia em polaco? Alfred afeiçoara-se ao rapaz, ele sabia da poda, havia uma cumplicidade silenciosa entre lavradores (Piotr gostava de trabalhar, o trabalho distraía-o das toneladas de memórias e preocupações pelos seus que carregava às costas; era saudável e davam-lhe de comer, não estava na guerra, como o pobre do filho do Alfred, cuja sorte era bem pior)...

E se ele não compreendesse que era de uma raça inferior? Na verdade até a Alfred lhe custava compreender, compreendia que os judeus eram uma raça inferior, desprezível, como os homossexuais ou os ciganos, mas aquele rapaz loiro e de olhos azuis… bem, os cientistas alemães tinham decretado que os eslavos eram uma raça de escravos, quem era ele para duvidar disso?

Deitou fora o jornal, não fora alguém lembrar-se de castigar o rapaz, que lhe fazia falta, e reforçou a sua pose de senhor: virava as costas quando o eslavo lhe dirigia a palavra, tornou-se ainda mais distante, senhoril: estava em jogo a dignidade da raça ariana! “Só os fortes sobrevivem!”, nada de mostrar respeito pelos inferiores, tolerância, no máximo.

 

Piotr esqueceu-se do caso, trabalhava, comia, dormia e tinha esperança que os polacos americanos convencessem o Roosevelt a entrar na guerra.

 

Mas Alfred decidira educar o rapaz: explicava-lhe a sorte que a Polónia tinha em ser governada por alemães, uma raça superior física e intelectualmente, os senhores naturais do mundo e sugeria que, se ele compreendesse bem isso e tivesse qualidades de lutador, um dia, como ele tinha amigos no partido, Piotr poderia fazer um exame de raça e talvez passasse por ariano. Piotr enfurecia-se calado, na sua pose de eslavo respeitador, não queria problemas, trabalho sem comida.

 

Mas tantas vezes vai o cântaro à fonte até que parte: Alfred atribuía os problemas do mundo aos judeus quando Piotr disse: “tenho bons amigos judeus, na minha terra, nunca nos trataram com a falta de respeito com que os alemães nos tratam”. “Mas tu és alemão”, disse Alfred. “Sou polaco, graças a Deus”, disse Piotr.

“Mas nós respeitamos os povos inferiores que colaborarem connosco”.

”Não há povos inferiores, se houvesse seriam os que não respeitam os outros”.

“Respeitamos quem merece respeito”.

“Só se pode conversar com respeito mútuo”, disse Piotr.

“Mas eu até converso contigo, que és um eslavo!”

“Não conversa”, disse Piotr, “para conversar é preciso admitir a hipótese de que, da conversa, se saia a pensar de uma forma mais esclarecida— e o Alfred admite que um eslavo o esclareça? — apenas admite que eu possa ser esclarecido, embora de uma raça de fracos, desprovidos de pensamento abstracto, não é uma conversa!”.

Alfred deu meia volta, virou-lhe as costas, penitenciando-se da sua fraqueza, da vergonha de não ter sabido intimidar aquele eslavo com a força natural da sua raça: aquele rapaz era tão inferior intelectualmente que nem sabia reconhecer um superior quando o via!

 

Meia dúzia de anos depois Alfred ouvia na rádio a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada nas Nações Unidas. Piotr ouvia-a na sua aldeia. Pode ser que não tivesse sido preciso bombardear Dresden para vencer a guerra— mas tinha sido preciso vencê-la! Ambos, ouvindo a palavra “dignidade”, lembraram-se do jornal escrito a lápis e pensaram que a Dignidade bem podia ser uma matriz para construir a Europa da Paz.

 

publicado por paradoxosfilho às 20:31
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