É costume chamar à família uma instituição; creio que é mais que isso.
As instituições têm uma vida longa, resistem às transformações do mundo e é por isso que chamam instituição à família. Mas elas também têm sempre a marca do tempo em que nasceram, embora resistam aos tempos novos, adaptando-se. Assim com a Monarquia ou com a República, por exemplo.
Se considerarmos a família como uma instituição ela teria a marca dos tempos pré-históricos, estaria ligada à sobrevivência, que era a ocupação principal dos nossos antepassados— e ainda é a de uma boa parte dos nossos contemporâneos!
Ora, não é apenas porque as crianças precisam da família para sobreviver que a nossa espécie se organizou assim.
A nossa é uma espécie ambiciosa, pretende entender e melhorar o mundo, não apenas sobreviver.
E para que um filhote de homem floresça em todas as suas potencialidades, cujos limites ainda não conhecemos, não basta que tenha comida e abrigo. Precisa de sentir segurança e prazer.
Só nessa base poderá desenvolver a razão, num mundo em que só se faça como ele quer se ele tiver razão e só nessa base poderá chegar a ser capaz de amar, de aceitar incondicionalmente outras pessoas, aquelas que amar.
Só a partir daí poderá ter desejos ou projectos que não estejam relacionados com a sua sobrevivência, com a ânsia de fugir ao medo, mas que sejam criações, contribuições sociais.
Como seja a de criar uma família que o seja, que seja mais que a necessidade de sobreviver, de segurança institucional.
Só quando os seus desejos transcenderem os da sobrevivência “alargada”, os de ter uma boa casa, um bom automóvel, férias no Brasil… poderá aprender a usar as suas potencialidades de nascença, a intuição a que chamamos espiritual, o ser criador do seu destino, o ter a visão holística a que, na nossa cultura, se chama estar na graça de Deus.
Este desenvolvimento natural do homem começa na família, é a sua razão de ser.
Quem toma a família como um “valor” pode estar a tomar um meio pelo seu fim. É como as pessoas que precisam de um carro para se deslocar e transportar coisas e o compram porque ele é bonito e as envaidece, esquecidas do seu fim, como um Ferrari na garagem. A “instituição” da família, tão útil para criar gente, pode ficar pela procura da sua própria segurança, pela defesa da sua forma institucional e a gente que cria ficar ao serviço do utensílio para a criar.
O paradoxo é que esta gente (dita a “de direita”, leia-se a que tem algum “capital”, que é o dinheiro que se não ganha e gasta todos os meses), gente que tem óptimas condições para criar filhos que se aproximem daquilo para que todos nascemos, faz da família um fim e não um meio. Interessa-se mais pela forma das suas crias que pela sua alma.
Macaqueiam o amor, acreditam sinceramente que ele consiste em ralhar com os filhos quando têm os cotovelos em cima da mesa, em mostrar-lhes que os não aceitam se não forem “educados”, porque ser educado, um meio para conviver com os outros, se tornou num fim.
E, como cultivam a forma da família, muito se assustam com a “agressão” à “instituição” que estes tempos lhes parecem fazer. Entretanto, sem darem por isso, põem em causa o seu conteúdo, a sua essência. A “agressão” não vem do exterior, vem da “institucionalização” da família, que é coisa muito mais antiga que qualquer instituição. E que não precisa desses defensores— nem destes!
A avaliação que diferentes pessoas fazem da realidade é diferente.
Comecemos por procurar saber se há a tal de realidade ou se é apenas subjectiva.
Uma lagartixa subiu a coluna de pedra e, depois, a trave de madeira; agora não a vejo, ela é real? Para responder vou buscar as palavras. Existe a palavra realidade e o conceito aplica-se aquela lagartixa que não vejo. Pois é esse conceito, produto do esforço antiquíssimo que vamos fazendo para comunicar uns com os outros e a que chamamos cultura, aquilo que é a realidade. A lagartixa existe embora não esteja visível.
Há, actualmente, filósofos que negam a existência da realidade. Mas não podem negar a existência das palavras que usam, que são usadas por muitos, foram usadas por muitos que já não são vivos e, provavelmente, continuarão a ser usadas. Os conceitos existem e correspondem aquilo para que servem. Seria simpático que a lagartixa aparecesse outra vez, mas elas costumam estar escondidas a maior parte do tempo e isso também é real. A realidade é o conceito de real. É útil, precisamos dos conceitos para comunicar, em última analise para sobreviver enquanto espécie.
Sabemos que cometemos (e amiúde) erros na nossa avaliação da realidade. Por desleixo de a ir procurar posso dizer que não há lagartixas por aqui. Ou seja, para eu conhecer a realidade tenho que aceitar um esforço, uma procura. Àquilo que vemos chamamos o visível, não a realidade. Confundir o visível com a realidade é um erro. A realidade é um conceito que inclui muita coisa que não conhecemos. Mesmo colectivamente (o conhecimento científico), não abrangemos a realidade.
Mas isso não quer dizer que não possamos conhecer aquilo que conhecemos. Como acontece que a vi subir a coluna eu posso afirmar que há uma lagartixa por aqui, provavelmente em cima da viga mas, decerto não muito longe. Se alguém chegar e me disser que não há lagartixas por aqui eu informo-o de que está errado. Assim, sem a ter visto a subir a coluna, o visitante pode saber que ela existe.
É claro que para que haja esta possibilidade de conhecer realidades que não experimentamos é necessário que falemos verdade e confiem em nós.
Tem imenso interesse, é útil ao grupo (à espécie) que as pessoas façam corresponder as palavras à realidade e que confiem umas nas outras. Dessa forma a cultura permite-nos alargar imenso o nosso conhecimento do real.
Daí que se tenha criado uma pressão social para que as pessoas tenham cuidado em procurar ser verdadeiras e em confiar umas nas outras. Sem isso não há cultura, nem civilização, voltamos atrás, ao tempo dos primatas espertos que somos no fundo.
Houve uma época em que se valorizou a força, o tempo das tiranias dos anos 30, na Europa, um tempo em que redescobrimos a nossa natureza animal, valorizamos o poder, os macacos alfa (como o senhor Hitler LOL), a ideia de que a vida é uma luta, ideia resultante do conhecimento, biológico, do funcionamento das outras espécies não falantes.
Estes novos valores entraram em contradição com o de procurar a verdade. Se o meu objectivo for ter poder sobre os outros pode ser-me útil mentir. De tal maneira se tinha tornado natural valorizar a verdade e a confiança que o povo foi presa fácil da mentira. Por exemplo Salazar apresentou-se como um homem sério e foi-lhe fácil esconder o que hoje todos sabemos: que mandava para o Tarrafal os adversários políticos mais incómodos e que lá se morria quase sempre, por doenças, pelo simples calor na “frigideira” e pela falta de bons cuidados médicos.
A mentira compensava com o poder aquele que dizia que “em política o que parece, é!”.
Hoje conhecemos a verdade mas os estragos na confiança e, portanto, na evolução cultural foram brutais. Andamos para trás. Hoje desconfiamos uns dos outros provavelmente muito mais que antes dessa época em que pessoas foram, às escondidas do povo alemão, para campos de extermínio. O trabalho de restituir a verdade como valor interessante e a confiança que disso resulta ainda vai demorar muitos anos.
Como adaptação muitas boas pessoas decidiram negar a realidade. Quando se fala de verdades que estavam escondidas, como o Tarrafal, zangam-se. Talvez porque era confortável não saber? Não sei, sei que se zangam, que começam a insistir que a verdade é um mito, é subjectiva, é a nossa mas não é a de todos, não existe, até nos dizem que não é útil afirmá-la, que só lhes interessam as verdades que sejam úteis!
Faz-me lembrar a história de um casal que queria ir de carro para Lisboa mas se enganou e, quando descobriu que estava a caminho de Braga ficou a discutir, continuou a avançar para não perder tempo e demorou muitos quilómetros até fazer a inversão do sentido de marcha. Há quem diga que almoçou em Braga, e, para encontrar uma utilidade ao engano, decidiu que tinha sido boa idéia. Terá chegado a Lisboa ou convencer-se-ia de que queria ir a Braga? Teria sido uma "verdade" útil para o seu bem estar?
Ou seriam uns antiquados para quem só há uma verdade, a de que se tinham enganado no percurso e tentado enganar a si mesmos? Depende de se a verdade lhes interessava ou não. Uma coisa é certa, aqueles para quem ela interessa têm uma maior probabilidade de realizar o seu objectivo, neste caso de chegar a Lisboa. Aqueles para quem ela não interessa poderão ter poder sobre os outros, mas não sobre o seu destino! Andam à deriva e não são livres. Com as civilizações é pior--andam definitivamente para trás!
Chegou o Verão e Piotr viu, na cozinha, o jornal que Alfred deixara, com uma fotografia de Hitler em Paris. Piotr escreveu no jornal, em polaco, com o lápis da cozinha: “quem não respeita a dignidade dos outros não respeita a sua”. Aconteceu-lhe! Sabia que era um gesto absurdo, demasiado perigoso, inútil, mas não foi procurar uma borracha para apagar o que escrevera. Deixou-o, assim, em cima da mesa da cozinha.
E, quando Alfred, que só falava com ele para lhe dar ordens, lhe pediu que traduzisse, Piotr, que sabia alemão para isso, disse: “quem não respeita a dignidade dos outros não respeita a sua”.
Alfred tinha 50 anos, era lavrador; tinha o filho na guerra e o filho fazia-lhe falta. Abstraindo da parte sentimental, era-lhe difícil arranjar um substituto para o trabalho que o filho fazia, um que aceitasse trabalhar só pela comida e fosse bem mandado, como era o filho, antes da guerra. Mas Alfred era patriota, ouvia o Fuehrer na rádio e trazia o cartão de membro do partido na carteira. Não reclamava. Falara, porém, no partido, da falta de mão-de-obra e tinham-lhe mandado Piotr.
Piotr tinha 20 anos, era filho de um lavrador e tinha sido apanhado na aldeia e transportado para ali. Chegara esfomeado e aterrorizado mas, quando lhe tinham dado uma malga de sopa, sorrira; tinha um sorriso bonito. Alfred, porém, não sorrira; lembrara-se das recomendações do partido para ter todo o cuidado em manter a dignidade da raça superior nas relações com o eslavo (houvera quem sentasse um escravo à mesa e isso fora muito criticado); assim, Alfred, que dantes comia na cozinha com a mulher, transformara o quarto do filho em sala de jantar e arranjara um lugar para Piotr no estábulo, que lhe pareceu mais quente que o celeiro.
Alfred não disse nada. Como interpretar aquilo? O rapaz compreendia que respeitava a sua dignidade respeitando a do seu senhor? Mas que dignidade poderia ter um eslavo? A palavra "dignidade" existia em polaco? Alfred afeiçoara-se ao rapaz, ele sabia da poda, havia uma cumplicidade silenciosa entre lavradores (Piotr gostava de trabalhar, o trabalho distraía-o das toneladas de memórias e preocupações pelos seus que carregava às costas; era saudável e davam-lhe de comer, não estava na guerra, como o pobre do filho do Alfred, cuja sorte era bem pior)...
E se ele não compreendesse que era de uma raça inferior? Na verdade até a Alfred lhe custava compreender, compreendia que os judeus eram uma raça inferior, desprezível, como os homossexuais ou os ciganos, mas aquele rapaz loiro e de olhos azuis… bem, os cientistas alemães tinham decretado que os eslavos eram uma raça de escravos, quem era ele para duvidar disso?
Deitou fora o jornal, não fora alguém lembrar-se de castigar o rapaz, que lhe fazia falta, e reforçou a sua pose de senhor: virava as costas quando o eslavo lhe dirigia a palavra, tornou-se ainda mais distante, senhoril: estava em jogo a dignidade da raça ariana! “Só os fortes sobrevivem!”, nada de mostrar respeito pelos inferiores, tolerância, no máximo.
Piotr esqueceu-se do caso, trabalhava, comia, dormia e tinha esperança que os polacos americanos convencessem o Roosevelt a entrar na guerra.
Mas Alfred decidira educar o rapaz: explicava-lhe a sorte que a Polónia tinha em ser governada por alemães, uma raça superior física e intelectualmente, os senhores naturais do mundo e sugeria que, se ele compreendesse bem isso e tivesse qualidades de lutador, um dia, como ele tinha amigos no partido, Piotr poderia fazer um exame de raça e talvez passasse por ariano. Piotr enfurecia-se calado, na sua pose de eslavo respeitador, não queria problemas, trabalho sem comida.
Mas tantas vezes vai o cântaro à fonte até que parte: Alfred atribuía os problemas do mundo aos judeus quando Piotr disse: “tenho bons amigos judeus, na minha terra, nunca nos trataram com a falta de respeito com que os alemães nos tratam”. “Mas tu és alemão”, disse Alfred. “Sou polaco, graças a Deus”, disse Piotr.
“Mas nós respeitamos os povos inferiores que colaborarem connosco”.
”Não há povos inferiores, se houvesse seriam os que não respeitam os outros”.
“Respeitamos quem merece respeito”.
“Só se pode conversar com respeito mútuo”, disse Piotr.
“Mas eu até converso contigo, que és um eslavo!”
“Não conversa”, disse Piotr, “para conversar é preciso admitir a hipótese de que, da conversa, se saia a pensar de uma forma mais esclarecida— e o Alfred admite que um eslavo o esclareça? — apenas admite que eu possa ser esclarecido, embora de uma raça de fracos, desprovidos de pensamento abstracto, não é uma conversa!”.
Alfred deu meia volta, virou-lhe as costas, penitenciando-se da sua fraqueza, da vergonha de não ter sabido intimidar aquele eslavo com a força natural da sua raça: aquele rapaz era tão inferior intelectualmente que nem sabia reconhecer um superior quando o via!
Meia dúzia de anos depois Alfred ouvia na rádio a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada nas Nações Unidas. Piotr ouvia-a na sua aldeia. Pode ser que não tivesse sido preciso bombardear Dresden para vencer a guerra— mas tinha sido preciso vencê-la! Ambos, ouvindo a palavra “dignidade”, lembraram-se do jornal escrito a lápis e pensaram que a Dignidade bem podia ser uma matriz para construir a Europa da Paz.
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